sábado, 8 de dezembro de 2012

40 anos sem Torquato Neto

Pra mim, chega



(Para Torquato Neto)



O sol amarelando todos os dias

nos chuvosos dias dentro de mim

mostram o que poderia ter sido

se versos não ocupassem essa vida

esse sol e essa lua constante

que se apagam diariamente

naquilo que de mais existe

nas palavras escondidas

daquilo que ninguém sabe

do que se sabe sobre meu verso



um sorriso que não seria

um caminhar sem ter rumo

um doce amargo sem sumo

e sonhos desmoronados

nos castelos de areia

de uma praia qualquer

que não exista



o tempo não renasce

e nem retorna nos sonhos

daquilo que fomos e não somos mais



o desejo do que poderia ter sido

transforma o peito num vazio

feito um rio sem mágoas

um coração sem águas

e o ensejo do fim.



Daí, essa vontade de não estar aqui!



BH, 11 de novembro de 2012



Nunca me esqueci de Torquato Neto, um dos maiores e mais importantes letristas da nossa MPB. Lembro dele constantemente, mas dia 11 de novembro último esqueci que essa era a data comemorativa de 40 anos de sua morte. Isso me faz repensar o quanto somos idiotas em pensarmos que somos estrelas a brilhar no firmamento da arte. Um dia eu, por exemplo, irei embora para sempre e com o tempo as pessoas se esquecerão de mim. Mas a minha obra não, essa com certeza corre o risco de ser eternizada. Isso porque há muito tempo deixei de buscar os palcos, aplausos e fotos nos jornais, por achar tudo isso efêmero. Mas nunca deixei de consolidar minha obra, para que essa sim, pudesse sobreviver.

E já que me lembrei de Torquato Neto, vamos então ao que interessa:

Torquato Pereira de Araújo Neto, nasceu em Teresina em 09 de novembro de 1948. Um dia após o seu aniversário, ao completar 28 anos, na madrugada, o poeta piauiense suicida-se no banheiro, vítima de envenenamento com gás de cozinha. Torquato, sem demonstrar nenhuma aflição ou algum problema de nervosismo, conversa tranquilamente com sua mulher, até que esta, dizendo-se cansada vai dormir. O cheiro forte de gás incomoda e ela acorda e corre e vai ao banheiro onde encontra Torquato sem vida e a seu lado um bilhete em que dizia: "Tenho saudade, como os cariocas, do dia em que sentia e achava que era dia de cego. De modo que fico sossegado por aqui mesmo, enquanto durar. Pra mim, chega! Não sacudam demais o Thiago, que ele pode acordar". Thiago era o filho de dois anos de idade. Foi um dos nossos maiores letristas escrevendo versos para Caetano Veloso, Gilberto Gil e Edu Lobo. Alias, uma de suas últimas letras musicadas por Edu Lobo dava sinais de premonição. Seria “Pra Dizer Adeus”, em que diz: “Adeus\Vou pra não voltar\E onde quer que eu vá\Sei que vou sozinho\Tão sozinho amor\Nem é bom pensar\Que eu não volto mais\Desse meu caminho\Ah, pena eu não saber\Como te contar\Que o amor foi tanto\E no entanto eu queria dizer\Vem\Eu só sei dizer\Vem\Nem que seja só\Pra dizer adeus”

Torquato Manteve íntimo interesse pelo cinema marginal, atuando como ator e produzindo filmes. Flertara antes com o cinema novo, roteirizando e trabalhando na produção de "Barravento" (1962), filme de Glauber Rocha. Formou com Caetano Veloso e Gilberto Gil a santíssima trindade do tropicalismo. Toninho Vaz, na biografia de Torquato "Pra Mim Chega" (Casa Amarela, 2005), diz: "De todos os tropicalistas, Torquato era o menos conhecido. Sua importância para o movimento está numa razão inversa à sua popularidade, pois ele foi um tropicalista de primeira hora, junto com Caetano e Gil. Muito desse anonimato, entretanto, se deve a ele mesmo, que, como bem disse Augusto de Campos, deu as costas ao sol". Agora, o jornalista Kenard Kruel, também piauiense, lança edição revista e ampliada (das 622 páginas originais, a nova edição vai para 704, com mais textos e fotos) do livro "Torquato Neto ou A Carne Seca É Servida", que sai pela sua Zodíaco Editora.

Logo após a sua morte, Caetano foi a Teresina visitar os pais de Torquato e esse lhe presenteou com uma rosa, a qual Torquato sempre que ia lhe visitar, gostava de cuidar dessa flor. Foi aí a inspiração para a canção “Cajuína”; “Existimos\a que será que se destina?\pois quando tu\me deste a rosa pequenina\vi que eras um homem lindo\e se acaso a sina\do menino infeliz\a que nos ilumina\tão pouco turva-se a lágrima nordestina\apenas a matéria viva era tão fina\e éramos olharmo-nos intactos na retina\da cajuína cristalina em Teresina.”

É dele a letra de “Geléia Geral” e “Louvação”, com Gilberto Gil, “Marginalia II” e “Ai de mim, Copacabana” com Caetano Veloso, “Let's play that” com Jards Macalé e “Go Back” poema musicado postumamente por Sérgio Britto e gravado pelos Titãs. É de sua autoria as frases: "Escute, meu chapa: um poeta não se faz com versos. É o risco, é estar sempre a perigo sem medo, é inventar o perigo e estar sempre recriando dificuldades pelo menos maiores, é destruir a linguagem e explodir com ela (…). Quem não se arrisca não pode berrar."

Torquato deixou material que foi reunido pela sua esposa Ana Maria Silva Duarte e o amigo Waly Salomão, no livro póstumo: “Os Últimos Dias de Paupéria” (Editora Pedra Q Ronca).

Abaixo, um poema de Torquato Neto.





Cogito





eu sou como eu sou

pronome

pessoal intransferível

do homem que iniciei

na medida do impossível



eu sou como eu sou

agora

sem grandes segredos dantes

sem novos secretos dentes

nesta hora



eu sou como eu sou

presente

desferrolhado indecente

feito um pedaço de mim



eu sou como eu sou

vidente

e vivo tranquilamente

todas as horas do fim.