sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

“CRÔNICAS DAS PRISÕES E DO EXÍLIO” DE ARAKEN VAZ GALVÃO




Por Rogério Salgado

Na minha modesta opinião de leitor voraz, Araken Vaz Galvão se situa entre os dez melhores cronistas que já li, em toda a minha vivência. Digo isso depois de ler apenas um livro seu de crônicas. Trata-se de “Crônicas das prisões e do exílio” (Edições Alba). Suas crônicas, sempre recheadas da mais pura emoção, falam de coisas vivas, experiências vividas (e vívidas) e que lhe fez antes de tudo, um Ser Humano. Suas crônicas relatam lembranças, de amizades sinceras e também não sinceras (os muy amigos), num livro em que uma crônica se entrelaça a outra, numa seqüência romanceada. Suas reminiscências em nenhum momento nos apresenta mágoas ou rancores; muito pelo contrário, mostra-nos muita alegria de viver e segurança em cada narrativa, ao contar detalhes do que lhe vem à memória.
“Crônicas das prisões e do exílio” é um excelente livro de memórias e traz referências a pessoas hoje bastante conhecidas, além de pessoas do povo, desconhecidas atualmente. No livro é citado nomes tais como: Marcos Medeiros, Maria Lúcia Dahl, Darcy Ribeiro, Barbosa Lima Sobrinho, Eder Sader, Ênio Silveira, Nilo Silveira, Marco-Aurélio Garcia e Muniz Bandeira, e o fotógrafo Sebastião Salgado. A crônica que mais me emocionou foi a que faz referência ao assassinato de Soledad Barret, hoje esquecida na História.
Araken Vaz Galvão reside em Valença, Bahia e em 1956, aos 20 anos de idade, já era sargento do exército. No Governo Jango foi um dos líderes do Movimento dos Sargentos, utilizado pelos militares do golpe como pretexto para denunciar a indisciplina e a quebra de hierarquia. Com a tomada do poder em 1964, Araken desertou, foi expulso do exército como subversivo e passou a atuar na clandestinidade. Daí, para a luta armada foi um pulo, Da luta armada teve como conseqüência, as prisões. Passou a viver na clandestinidade e nela começou a conspirar para derrubar a ditadura. Preso em Porto Alegre, permaneceu quase um ano na prisão e ao sair, foi para o Uruguai. Voltou e ajudou a organizar a Guerrilha do Caparaó, sendo novamente preso, depois de uma peregrinação por diversas prisões de, fugiu e asilou-se na Embaixada do Uruguai, então no Rio de Janeiro. Araken empreendeu uma das raras fugas da Fortaleza de Santa Cruz, em Niterói, para onde fora transferido, atendendo a um pedido próprio, a fim de cumprir os 13 anos de prisão a que fora condenado. O ex-sargento, que sonhava ser advogado e não escritor foi o segundo a conseguir fugir por conta própria. Escoltado por um sargento como ele, para fazer exames numa Policlínica do Rio de Janeiro, o preso pediu para ir ao sanitário, aproveitou um cochilo da vigilância e ganhou as ruas e a liberdade.
Essas são algumas das aventuras reais vividas por esse personagem de suas próprias histórias e que hoje aos 80 anos, também publicou livros, entre eles: “Crônica de uma família sertaneja (2004) e “Saga de um menino do sertão “(2013) “Ensaios ou Nada” (2014). É dele a antológica frase: “A ditadura não foi derrubada, derrotou-se”.
“Crônicas das prisões e do exílio” é um livro que emociona do começo ao fim e por isso, merece ser lido por muitos, principalmente por alguns imbecis que nasceram após a ditadura e hoje pedem a sua volta, pelas esquinas da vida.
Contatos: arakenvaz@gmail.comfuncea.arakenvaz@gmail.com Para conhecer mais do trabalho do autor, acesse www.arakenvaz.blogspot.com


sábado, 4 de fevereiro de 2017

ARTIGO DA MINHA AMIGA TERESINKA PEREIRA


Recebi da escritora Teresinka Pereira, brasileira radicada nos Estados Unidos da América, uma das escritoras e ativistas mais respeitadas no mundo, o artigo abaixo, o qual democraticamente publico no meu blog. Gostaria de esclarecer aos leitores que acompanham meu blog, que em nenhum momento criei ou fiquei sabendo que criaram um Movimento Nacional com a finalidade de fazer com que os poetas sejam mais humanos e deixem seus estrelismos de lado. Numa carta publicada no jornal O CAPITAL, editado em Aracaju\SE por Ilma Fontes, apenas comentei uma opinião pessoal sobre estrelismos poéticos e se boatos cresceram e tomaram outras proporções, juro que não tive culpa. Eu tenho sim, comentado em eventos e entre amigos que acho ridículo um profissional de qualquer área se encher de estrelismos e que eu, Rogério Salgado, apesar de 42 anos de carreira poética, prefiro ser lembrado após a minha morte, bem mais como um grande Ser Humano, que deixou atitudes mais úteis para a humanidade, do que ser lembrado como um grande poeta, que a única coisa que deixou de contribuição, foram seus versos. Mas respeito à opinião de todos, concordando ou divergindo do que penso. E por falar em Movimentos, continuo afastado de todos os eventos literários possíveis (com exceção dos movimentos do livro “AI-5”, organizado por mim e do qual sou um dos autores). Abaixo o excelente artigo escrito pela amiga Teresinka Pereira.

OS POETAS ACHANDO QUE SÃO DEUSES

Por Teresinka Pereira*

Estava tranquilamente lendo o meu CAPITAL de cada mês, quando deparo com a carta (marcada) do poeta Rogério Salgado, dizendo que havia tomado parte em um movimento nacional com a finalidade de fazer com que “os poetas se tornem mais humanos e deixem seus estrelismos de lado”. Se a carta não estivesse dirigida à editora Ilma Fontes e não estivesse assinada por ele, não ia acreditar!
Então existe mesmo esse tal movimento contra los poetas “estrelas”, os que só conversam com seu próprio ego? Pois me garantem mesmo que além de existir tal calamidade, o movimento já conta com 40% de aprovação e participação de poetas “mais humanos"? Pois se existe quero participar. Só que não sei de que lado vou ficar! Tenho a tendência para ser “deus” que para ser “humana”. Acho que vou participar dos 60% do lado dos que conversam com o próprio ego ou com o ego de meu próximo poeta.
Explico porque: não está a meu alcance nenhum vizinho trabalhador que tome cerveja e olhe o futebol sem se importar com a lírica nem os versos, mesmo que saiam lá do terreiro ou do morro sambista. Para mim o mundo roda em ritmo de versos. Tenho um amigo nicaraguense, o Javier Peralta, que é trabalhador, mas é também poeta. Quando termina de cimentar um passeio ou de desentupir um esgoto, lava as mãos e senta para escrever poesia. Tenho outro amigo na Itália, o Ferrucho Brugnaro, que afirma ser operário, com muito orgulho e é poeta, com mais orgulho ainda. É um poeta proletário, líder trabalhista no Porto Marghera da Itália. Estivador e poeta! Esses versos são de sua autoria e talvez tenham que ver com seu trabalho:

Nossa carne, nosso coração
voltam a ser agora
aquele sonho guerrilheiro
de pássaros e céus
impossíveis de imaginar!

Nos tempos da Rússia Soviética eu correspondia com alguns poetas proletários, cuja profissão de poeta era acumulada à de operário. E há outras de que a poesia está muito intimamente relacionada com o “ego” dos trabalhadores. A revista de poesia estado-unidense BLUE COLLAR REVIEW (REVISTA DE COLARINHO BRANCO) está dedicada ao trabalho, aos trabalhadores e só publica poesia de tema laboral. Seu editor, Al Markowitz, é poeta, e são dele esses versos:

Necessito a inspiração
a grandes jatos de minha poesia
dando doce liberdade
à cada paixão guardada
por um tempo.

Uma vez a “Revista de Colarinho Azul” publicou (em inglês) este poema que escrevi sobre o poeta e o trabalho do poeta:

TRABALHO DE POETA

Estou em uma selva de nervos.
Dizem que o stress vem do trabalho excessivo,
vem do dormir a manhã inteira
e de levantar-me ao meio dia, descansada e triunfante
para viver a palavra que se detém em outros lábios.

Mas não. O trabalho do poeta
embora seja como um poço sem fundo
é também como um tango bem ou mal cantado
que padece nos círculos espaciais.

Minha dor não vem do trabalho.
Ao contrário, meu trabalho vem da dor,
do verso de pedra que faz explodir o horror da alma
enquanto espero a vida começar outra vez.

Eu sou advogada do ego. Principalmente do ego dos poetas. Uma vez li esta explicação do ego em um jornal de Costa Rica (Semanário Universidad), escrita por Hermán R. Mora C, Prof. Da Universidade de Costa Rica e tomei nota para nunca mais me esquecer:

“Yo soy El espejo de los otros. E igualmente soy yo El outro de los demás. Queda El reto – para todos los que décimos si tener cara – procurar que la vida de los otros sea, gracias a nuestra  presencia ocasional cada día em esta Tierra uma justificación para hacer um mundo realmente más justo, menos sufrido, corrupto e impune.”

E no Brasil, vamos lembrar o poeta Emil de Castro que disse uma vez, em favor do poeta, em algum lugar que não me lembro, talvez em um livro:

“Não possuo verdades. Possuo ilusões. Iludo-me a todo momento. Ontem tive ilusões de político. Hoje tenho de poeta. A única coisa verdadeiramente permanente é a poesia. Tudo passa. A própria vida passa. A morte também passa.” (Emil de Castro)

Há que respeitar o ego. E por essas coisas e esses poetas é que eu creio que o mundo precisa de nossa criação, de nossa divindade necessária que é ser o poeta, para dignificar o trabalho, o futebol, a cerveja, a humanidade que “nem sabe quem é Mário de Andrade, Carlos Drummond, Mário Quintana, Ilma Fontes ou Rogério Salgado... Pois é, meu amigo, o poeta é um criador. Então não é um deus quem pode criar estes versos que cito em seguida?

“CONCEITO**

Sou o que representa\a febre, a dor\a expressão exata\a corda que desata\todos os nós acorrentados\aos conceitos do que\querem que a poesia seja.
Canto a canção ferida\daquilo que é doído.
Tenho olhos de vidros partidos\e a imensidão de compor.
Não me estabeleço\amanheço, entardeço, anoiteço\na forma mais concreta.”

É deus mesmo, o deus que só existe na nossa imaginação e no nosso ego de poeta.


**Poema autoria de Rogério Salgado.